terça-feira, 27 de maio de 2014

Desapegar

Saiu de casa e logo acendeu um cigarro. Estava completamente nervosa e precisava de algum novo sentido em sua vida, agora que seria mãe. Silvia caminhava pesadamente pelas calçadas do bairro. Não conseguira digerir ainda aquela informação. Ao avistar um taxi se aproximando, fez sinal para ele parar e entrou. Pediu para deixá-la na casa do Renato. Chegou no prédio e interfonou no 34, onde costumava ser o apartamento dele. Uma outra pessoa atendeu, Silvia perguntou por Renato e quem atendeu disse que não era daquele número e desligou.

Puxou o celular e ligou novamente para Renato, precisava saber o que estava se passando, pois não haviam 3 dias que ela estivera com ele e tudo parecia bem. Novamente, chamou até a ligação cair. Aquela atitude de não atender o telefone era típica dele. Ela já brigou com ele muitas vezes por causa disso e o mesmo se recusa a aprender. Pensou um pouco, aonde poderia estar?

Se lembrou de onde ele costumava passar quando estava com problemas e queria pensar. Começou a correr, talvez ela ainda o alcançasse. Passou por sua antiga casa, que era do lado da casa de Renato. Olhou ao redor e não o encontrou. Continuou seguindo e tentando ligar para ele.

A algumas quadras dali, Renato sentiu o seu celular vibrar e viu que Silvia estava ligando. Ele atendeu:

- Diga!

- Porra Renato, aonde é que você está?

- Por aí. E você?

- Por aí é o cacete, me diga aonde você está, preciso falar uma coisa séria contigo.

- Ok. Me encontra no bar do portuga daqui há 10 minutos.

- Ok.

Desligou o telefone e foi até o bar. O que será que ela gostaria de falar com ele que era tão importante assim? Chegando no bar, pensou em várias coisas. Ela iria se mudar? Teria encontrado o amor de sua vida? Todas os pensamentos que passavam por sua cabeça o deixavam triste, pois ele gostava muito de Silvia. Havia crescido junto dela, foram amigos de infância e namorados na juventude. Depois de um tempo, ele havia se tornado uma pessoa e Silvia outra.

Ao chegar no bar, Silvia encontrou Renato sentado e tomando uma cerveja. Sentou-se junto dele e logo diparou:

- Eu estou grávida.

Renato cuspiu a cerveja, secou a boca e fez uma cara de indignado.

- Sim, eu estou grávida. E creio que você sej o pai.

Ele a encarou por um tempo, não conseguindo acreditar no que ela havia dito.
Ela o encarou e aguardou uma resposta concreta. A cara dele parecia mostrar que ele estava prestes a fugir.

- E quando você descobriu isso? Ele perguntou.

- Faz pouco tempo.

- Merda.

Ele engoliu em seco e pediu um cigarro para Silvia. Ela estranhou o ato, pois ele não tinha o costume de fumar, mas ainda assim entregou o cigarro. Os dois começaram a fumar e olhar para o céu, ambos buscando uma solução para aquela situação.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Anunciação

O sol brilhava com força no alto do céu. Renato xingou baixinho por ter deixado seus óculos em casa. Ele estava indo até o centro, procurar alguns apartamentos para alugar. Havia sido despejado a pouco menos de 2 semanas, pois foi pego no flagra transando com a filha do locador do apartamento. Não era a primeira vez que isto acontecia com ele, parecia seu destino. Na outra vez que fora despejado, era de madrugada e o síndico do prédio o encontrou nu na escada de emergência com a sua filha. Teve tempo apenas de erguer as calças e correr escadaria abaixo.

Enquanto passava por vários apartamentos, sentiu um frio na espinha ao passar por uma casa de madeira completamente destruída e abandonada. O lugar agora parecia ser abrigo de mendigos e drogados, mas antes, Renato costumava chamar aquele lugar de lar. A casa costumava ter flores na varanda, uma passarela que se seguia da calçada até a porta de casa, com um grande jardim em volta. Agora, haviam apenas um mato alto e muito lixo. Começou a caminhar em direção à casa, passando pelo portão destruído e chegando até a porta. Entrou sem bater. A casa estava sem parte do teto, havia muito lixo no local onde costumava ser a sala. Caminhou mais um pouco e foi até o corredor. O primeiro quarto costumava ser o seu, mas agora era apenas um espaço com uma pilha de madeira. Mais a frente, onde costumava ser o quarto de seus pais, havia uma pessoa dormindo. Deu meia volta e saiu da casa, estava na hora de continuar o seu caminho.

No outro lado da cidade, Silvia estava esperando dentro de seu banheiro haviam 10 minutos. Ela estava com um teste de gravidez de farmácia na mão. Olhava para ele e para a janela. Estava tensa, pois sabia que algo de errado estava acontecendo com ela. Se passaram mais 5 minutos, ela olhou para o teste novamente e o deixou cair. O resultado era positivo. Ela gritou:

- Filho da puta!

Trêmula, pegou o celular e discou para o primeiro número de chamada rápida. A ligação chamou, chamou e caiu na caixa. Silvia saiu do banheiro, colocou seu chinelo, pegou sua bolsa e saiu para a rua. Precisava dar a notícia para Renato, pai de seu futuro filho.


Continua.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Lugar comum

Estava pronto para entrar em ação. Gostava de trabalhar sozinho, desde que começou em sua carreira. Jogou fora o restante de seu cigarro, passou direto pela porta e entrou sem chamar a atenção do gerente. Era uma loja de bebidas que ficava no centro da cidade, na esquina de uma rua escura aonde a pior espécie de ser humano se encontrava. Enquanto ia ao caixa, sentiu o seu batimento acelerar como sempre sentia antes de executar seu plano. Ao se aproximar, pegou uma garrafa da bebida mais barata e colocou no balcão. Enquanto o caixa registrava a bebida, ele olhou para trás e verificou que o local estava vazio. Sacou sua arma e encostou o cano frio na testa do gerente. Tinha uma vida em suas mãos e não se importava de jogar ela fora caso fosse necessário. 

Do lado de fora da loja, a rua estava deserta. Ele poderia fazer o que quisesse que ninguém estaria por perto para presenciar.

- Não quero te machucar, só abra o caixa e tudo vai acabar logo.

As mãos do gerente estavam trêmulas, qualquer movimento em falso e feria sua vida escorrendo pela parede atrás dele. Ele abriu o caixa e foi se afastando devagar, indo de encontro com a parade.  O assaltante, sem tirar os olhos do gerente, encheu seus bolsos com o dinheiro, pegou sua bebida, uma carteira de cigarro e saiu da loja.

Ao sair pela porta, começou a se afastar da loja antes que qualquer coisa acontecesse. Já havia guardado a sua arma e estava acendendo o seu cigarro, quando ouviu um barulho de tiro. Ao se virar, o gerente estava brandindo sua arma e gritando, esperando que alguém o ouvisse e pudesse lhe ajudar. Nenhum retorno, todos que estavam por perto conheciam a fama do bairro e nem ousavam em interferir nesse tipo de situação. O assaltante sacou seu revolver e disparou contra o gerente, mas demorou muito. Errou o gerente por pouco e foi atingido por um projétil em seu ombro. Logo derrubou a arma e começou a correr, mas não teve sorte. Outro disparo o atingiu pelas costas, assim, caindo de cara no chão. Teve forças para se virar e observar a cara do gerente. Enquanto observava o cano brilhante da arma apontada para o seu rosto, o tempo ao redor parecia passar mais devagar, o fazendo pensar em sua vida feita de escolhas que sempre pareceram sensatas. Seu primeiro beijo, a primeira namorada, o primeiro assalto, a primeira morte. Cresceu em um mundo aonde a única lei era matar ou ser morto.

E lá estava ele, dando o seu último suspiro. O clarão da arma foi a última coisa que viu em sua vida.

O gerente recolheu o dinheiro do bolso do cadáver e voltou para sua loja, como se nada houvesse acontecido. Essa era apenas mais uma noite nas ruas do centro.