segunda-feira, 9 de junho de 2014

Saudade

Era o terceiro dia de inverno rígido e ele odiava o frio. Beto criou coragem e se levantou resmungando. Calçou os seus chinelos, vestiu o seu roupão de veludo e caminhou até a sala. Olhou pela janela e viu seu terreno coberto de neve. Os filhos do vizinho já estavam correndo de um lado para o outro e gritando muito, ato comum nos dias como aquele.

Beto foi para a cozinha e preparou uma grande xícara de café. Enquanto a água esquentava, a figura velha e cansada se caminhou até a porta, pegou o jornal e voltou para a cozinha. Com a xícara cheia e o jornal embaixo do braço, cruzou a sala e entrou em seu quarto de leitura. Ajeitou-se em sua poltrona, tomou um gole de café, alcançou o cachimbo na mesinha ao seu lado e o encheu com o tabaco forte que ele mesmo preparava. Deu um belo trago e começou a folhear o jornal, mas sem realmente ler o conteúdo escrito.

Perdido em seus pensamentos, olhou para a sala de estar e pôde ver sua mulher, jovem e linda como sempre, dançando abraçada com ele. Seus filhos passavam correndo ao redor deles, cantando e dançando as músicas estranhas que tocavam no rádio naquele tempo. Ele apanhou o seu casaco e saiu de casa, seguido pelo restante de sua família.

Beto voltou à si, levantou-se da poltrona e dirigiu-se até o banheiro. Se olhou no espelho, ligou a torneira, lavou o rosto e olhou-se novamente. Estava mais jovem, porém, completamente desolado. Seu nariz estava quebrado, seu corpo tremendamente machucado e sua roupa estava cheia de sangue. O silêncio da casa o deixava perturbado, não estava acostumado com aquilo.

Chacoalhou a cabeça com força e tudo estava como antes. A pia estava quase cheia de água. Ele fechou a torneira, foi para o seu quarto e trocou de roupa. Vestiu-se com um terno velho e desbotado. Calçou os seus sapatos e foi até a garagem. Entrou no carro, abriu o portão e dirigiu até o cemitério. No caminho, podia escutar sua mulher e seus filhos conversando no carro. Deixou escapar um leve sorriso. Ao chegar no local, desceu do carro e caminhou debaixo de uma grande nevasca. Parou próximo de três lápides, uma grande e duas pequenas. Nelas haviam a mesma data de falecimento e carregavam o mesmo sobrenome de Beto. Ele se ajoelhou, fez uma pequena prece e voltou ao seu carro.

Até hoje não consegue entender o por que daquele carro ter furado o sinal vermelho.