segunda-feira, 11 de maio de 2015

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Nada mais lhe agrada. Coisas, pessoas, atos, festas. Sua vida gira em círculos enquanto o tempo passa mais rápido que sua percepção. Já está velho, cansado, sem nada. Seus almejos por objetivos tolos e sem sentido o impedem de progredir mentalmente. As pessoas o enganam com facilidade, tiram o maior proveito possível e o deixam de lado.

Nada mais lhe agrada. A percepção do exterior para com sua pessoa passa por batido por sua cabeça. Ele caga pra isso. Se finge de tolo enquanto usa mais drogas e busca o conhecimento final, mas enquanto sua visão das coisas não for alterada, o seu final será o caixão. O conhecimento tão almejado será deixado de lado juntamente com seu corpo, enquanto uma luz fraca irá perdurar.

segunda-feira, 2 de março de 2015

Pesticida

- Renata Paz, vá até a sala três.

Receosa, ela levantou e caminhou com passos pesados até a sala. Parada de fronte à porta, bateu quatro vezes, como havia sido indicada. Uma fresta se abriu e ela adentrou. A sala fedia a mofo, era completamente escura e na sua frente havia uma silhueta de um homem gordo.

O que você quer? Perguntou o homem.

Ela disse: preciso de um serviço de limpeza, o mais rápido possível. 

- Qual o tamanho do problema?

Tremendo, abriu sua bolsa e alcançou ao homem uma foto. Ele a recolheu, analisou a foto por um minuto, fitou a mulher e disse seu preço. Renata silenciosamente acatou, alcançou lhe a quantia necessária e perguntou quando o serviço seria feito. O homem disse que em no máximo 2 dias tudo estaria certo. Ela sorriu tensa e saiu da sala.

Enquanto se dirigia para a saída do prédio, um turbilhão de pensamentos passavam por sua cabeça, se perguntando se fizera a coisa certa, se estava pronta para o que iria ocorrer e como seria sua vida a partir de então. Todas as respostas para as perguntas a assustavam. Já do lado de fora do local e dentro de seu carro, desabou no choro. Sua cabeça parecia pesar muito mais do que o normal, pois só conseguia olhar para baixo e chorar. Após uma hora, conseguiu se recompor e foi para casa.

Ao chegar em seu destino, ela respirou fundo e abriu a porta. Não havia ninguém em casa. Foi para o seu quarto, ligou para o seu trabalho alegando estar doente e não ter condições de trabalhar. Desligou o telefone e dormiu até o dia seguinte.

No outro dia, acordou com o seu marido a fitando. Ele estava com os olhos completamente abertos e vidrados nela. Com medo, Renata perguntou se estava tudo bem. Nenhuma resposta. Lentamente,  levou sua mão até o pescoço dele para ver se ele havia pulsação. Não sentiu nada. Então, num ato de desespero, empurrou o homem, que caiu da cama. Não haviam mais dúvidas, ele estava morto.

Ela saiu da cama, foi até o chuveiro e ficou por horas em baixo da água corrente, calada e com o olhar fixado na parede em sua frente.

Horas depois, o telejornal anunciava uma tragédia: Casal encontrado morto dentro de casa. Ambos envenenados, o homem estava no chão de seu quarto e a mulher dentro do banheiro. Não havia suspeito para o crime.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Sobre a mesa

A mesa da casa de João era redonda, e sobre ela haviam pratos, talheres, xícaras, leite, café, pão e manteiga. Após algumas horas, o seu conteúdo foi trocado. Colocaram copos, taças, garrafas, cinzeiros. 

Minutos depois, novamente trocado. Agora havia uma toalha estendida, fichas e baralho. Após algumas horas, uma arma se encontrava sob a mesa, na mão de alguém.

Minutos depois, sobre a mesa de João havia sangue, um corpo, desfibrilador e uma pessoa ajoelhada. Um dia depois, sobre a mesa estava João, mas não mais em sua casa.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Ira

Otávio não sabia, mas aquele dia ficaria marcado para sempre no resto de sua vida.

Acordou cedo, olhou para o lado e sentiu falta da presença de sua quase esposa. Foi até a cozinha, mas estava vazia. "Provavelmente ela foi até à padaria", pensou, enquanto voltava para o quarto para trocar de roupa. Vestiu-se com uma roupa quente e começou a preparar o café. A campanhia de sua casa tocou e ele foi verificar. Ao abrir a porta, o filho mais novo do vizinho estava com um grande sorriso no rosto e pedindo por uma doação para um projeto de sua escola. Otávio colocou a mão no bolso e entregou uma pequena doação para o guri, que agradeceu e se dirigiu até a próxima casa. O homem fechou a porta e voltou para o seu café. Haviam se passado mais de 30 minutos desde que acordára e nada de sua noiva chegar. 

Terminou de arrumar a mesa e foi até a garagem, quando reparou que o carro de sua mulher não estava lá. Pensou em aguardar mais um pouco, mas ainda assim entrou em seu carro e saiu. Foi direto para o mercado que ficava mais próximo, quando no caminho avistou o carro de sua mulher em frente à uma casa grande. Parou o carro e bateu na porta da casa, uma velha senhora abriu a porta e ia se apresentando, mas Otávio logo entrou na casa e gritou o nome dela. Escutou uma porta batendo e uma figura de um rapaz apenas de roupão apareceu em sua frente, enquanto este dispensava a empregada do local.

Um milhão de pensamentos e emoções passavam por Otávio, mas tudo que ele pode fazer foi virar as costas e sair do local. Entrou em seu carro e saiu pelas ruas, enfurecido com o que presenciou e com sua ex-mulher, por estar o traindo.

Enquanto ele acelerava, não notou o sinal vermelho e o cruzou em alta velocidade. Colidiu com um outro carro no qual uma família estava indo para um passeio, porém, apenas o homem da família sobreviveu. Otávio, como ele mesmo dizia, teve o azar de sobreviver.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Saudade

Era o terceiro dia de inverno rígido e ele odiava o frio. Beto criou coragem e se levantou resmungando. Calçou os seus chinelos, vestiu o seu roupão de veludo e caminhou até a sala. Olhou pela janela e viu seu terreno coberto de neve. Os filhos do vizinho já estavam correndo de um lado para o outro e gritando muito, ato comum nos dias como aquele.

Beto foi para a cozinha e preparou uma grande xícara de café. Enquanto a água esquentava, a figura velha e cansada se caminhou até a porta, pegou o jornal e voltou para a cozinha. Com a xícara cheia e o jornal embaixo do braço, cruzou a sala e entrou em seu quarto de leitura. Ajeitou-se em sua poltrona, tomou um gole de café, alcançou o cachimbo na mesinha ao seu lado e o encheu com o tabaco forte que ele mesmo preparava. Deu um belo trago e começou a folhear o jornal, mas sem realmente ler o conteúdo escrito.

Perdido em seus pensamentos, olhou para a sala de estar e pôde ver sua mulher, jovem e linda como sempre, dançando abraçada com ele. Seus filhos passavam correndo ao redor deles, cantando e dançando as músicas estranhas que tocavam no rádio naquele tempo. Ele apanhou o seu casaco e saiu de casa, seguido pelo restante de sua família.

Beto voltou à si, levantou-se da poltrona e dirigiu-se até o banheiro. Se olhou no espelho, ligou a torneira, lavou o rosto e olhou-se novamente. Estava mais jovem, porém, completamente desolado. Seu nariz estava quebrado, seu corpo tremendamente machucado e sua roupa estava cheia de sangue. O silêncio da casa o deixava perturbado, não estava acostumado com aquilo.

Chacoalhou a cabeça com força e tudo estava como antes. A pia estava quase cheia de água. Ele fechou a torneira, foi para o seu quarto e trocou de roupa. Vestiu-se com um terno velho e desbotado. Calçou os seus sapatos e foi até a garagem. Entrou no carro, abriu o portão e dirigiu até o cemitério. No caminho, podia escutar sua mulher e seus filhos conversando no carro. Deixou escapar um leve sorriso. Ao chegar no local, desceu do carro e caminhou debaixo de uma grande nevasca. Parou próximo de três lápides, uma grande e duas pequenas. Nelas haviam a mesma data de falecimento e carregavam o mesmo sobrenome de Beto. Ele se ajoelhou, fez uma pequena prece e voltou ao seu carro.

Até hoje não consegue entender o por que daquele carro ter furado o sinal vermelho.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Desapegar

Saiu de casa e logo acendeu um cigarro. Estava completamente nervosa e precisava de algum novo sentido em sua vida, agora que seria mãe. Silvia caminhava pesadamente pelas calçadas do bairro. Não conseguira digerir ainda aquela informação. Ao avistar um taxi se aproximando, fez sinal para ele parar e entrou. Pediu para deixá-la na casa do Renato. Chegou no prédio e interfonou no 34, onde costumava ser o apartamento dele. Uma outra pessoa atendeu, Silvia perguntou por Renato e quem atendeu disse que não era daquele número e desligou.

Puxou o celular e ligou novamente para Renato, precisava saber o que estava se passando, pois não haviam 3 dias que ela estivera com ele e tudo parecia bem. Novamente, chamou até a ligação cair. Aquela atitude de não atender o telefone era típica dele. Ela já brigou com ele muitas vezes por causa disso e o mesmo se recusa a aprender. Pensou um pouco, aonde poderia estar?

Se lembrou de onde ele costumava passar quando estava com problemas e queria pensar. Começou a correr, talvez ela ainda o alcançasse. Passou por sua antiga casa, que era do lado da casa de Renato. Olhou ao redor e não o encontrou. Continuou seguindo e tentando ligar para ele.

A algumas quadras dali, Renato sentiu o seu celular vibrar e viu que Silvia estava ligando. Ele atendeu:

- Diga!

- Porra Renato, aonde é que você está?

- Por aí. E você?

- Por aí é o cacete, me diga aonde você está, preciso falar uma coisa séria contigo.

- Ok. Me encontra no bar do portuga daqui há 10 minutos.

- Ok.

Desligou o telefone e foi até o bar. O que será que ela gostaria de falar com ele que era tão importante assim? Chegando no bar, pensou em várias coisas. Ela iria se mudar? Teria encontrado o amor de sua vida? Todas os pensamentos que passavam por sua cabeça o deixavam triste, pois ele gostava muito de Silvia. Havia crescido junto dela, foram amigos de infância e namorados na juventude. Depois de um tempo, ele havia se tornado uma pessoa e Silvia outra.

Ao chegar no bar, Silvia encontrou Renato sentado e tomando uma cerveja. Sentou-se junto dele e logo diparou:

- Eu estou grávida.

Renato cuspiu a cerveja, secou a boca e fez uma cara de indignado.

- Sim, eu estou grávida. E creio que você sej o pai.

Ele a encarou por um tempo, não conseguindo acreditar no que ela havia dito.
Ela o encarou e aguardou uma resposta concreta. A cara dele parecia mostrar que ele estava prestes a fugir.

- E quando você descobriu isso? Ele perguntou.

- Faz pouco tempo.

- Merda.

Ele engoliu em seco e pediu um cigarro para Silvia. Ela estranhou o ato, pois ele não tinha o costume de fumar, mas ainda assim entregou o cigarro. Os dois começaram a fumar e olhar para o céu, ambos buscando uma solução para aquela situação.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Anunciação

O sol brilhava com força no alto do céu. Renato xingou baixinho por ter deixado seus óculos em casa. Ele estava indo até o centro, procurar alguns apartamentos para alugar. Havia sido despejado a pouco menos de 2 semanas, pois foi pego no flagra transando com a filha do locador do apartamento. Não era a primeira vez que isto acontecia com ele, parecia seu destino. Na outra vez que fora despejado, era de madrugada e o síndico do prédio o encontrou nu na escada de emergência com a sua filha. Teve tempo apenas de erguer as calças e correr escadaria abaixo.

Enquanto passava por vários apartamentos, sentiu um frio na espinha ao passar por uma casa de madeira completamente destruída e abandonada. O lugar agora parecia ser abrigo de mendigos e drogados, mas antes, Renato costumava chamar aquele lugar de lar. A casa costumava ter flores na varanda, uma passarela que se seguia da calçada até a porta de casa, com um grande jardim em volta. Agora, haviam apenas um mato alto e muito lixo. Começou a caminhar em direção à casa, passando pelo portão destruído e chegando até a porta. Entrou sem bater. A casa estava sem parte do teto, havia muito lixo no local onde costumava ser a sala. Caminhou mais um pouco e foi até o corredor. O primeiro quarto costumava ser o seu, mas agora era apenas um espaço com uma pilha de madeira. Mais a frente, onde costumava ser o quarto de seus pais, havia uma pessoa dormindo. Deu meia volta e saiu da casa, estava na hora de continuar o seu caminho.

No outro lado da cidade, Silvia estava esperando dentro de seu banheiro haviam 10 minutos. Ela estava com um teste de gravidez de farmácia na mão. Olhava para ele e para a janela. Estava tensa, pois sabia que algo de errado estava acontecendo com ela. Se passaram mais 5 minutos, ela olhou para o teste novamente e o deixou cair. O resultado era positivo. Ela gritou:

- Filho da puta!

Trêmula, pegou o celular e discou para o primeiro número de chamada rápida. A ligação chamou, chamou e caiu na caixa. Silvia saiu do banheiro, colocou seu chinelo, pegou sua bolsa e saiu para a rua. Precisava dar a notícia para Renato, pai de seu futuro filho.


Continua.